sexta-feira, 28 de junho de 2013

O que se vê nas ruas...

O Brasil é um país imenso, cheio de contrastes e abismos sociais. Curiosamente os estados mais pobres são os que melhor remuneram seus representantes, e nem assim, com salários volumosos, esses nobres senhores se dedicam à população que lhes deu o poder. Durante anos foi assim. O povo pacato assistiu a condenação de mensaleiros que hoje esbanjam a riqueza usurpada dos cofres públicos. Vimos o escândalo da CPMI do Cachoeira, que respingou em diversos nomes, causou rebuliço entre parlamentares e em novembro de 2012 desceu pelo ralo com a liberação do contraventor, que ficou apenas 9 meses na cadeia. Vimos a saída de Sarney da presidência do Senado e a gloriosa volta de Renan Calheiros, que mesmo acusado de peculato, falsidade ideológica e imerso em uma onda de escândalos, assumiu a chefia da Casa. Ainda atordoados com tamanho disparate vimos, perplexos, a chegada democrática do deputado e pastor Marcos Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias! Ora, como alguém intolerante, fundamentalista, com claras tendências racistas e declaradamente homofóbico pode zelar pelo direito das minorias? E mesmo com a reação popular contrária a essa jogada política nada, absolutamente nada foi feito para dar uma satisfação à massa. A continuação dessa história é o óbvio: uma perseguição desmedida contra os homossexuais que, até onde se sabe, também são minorias e deveriam ser protegidos pela Comissão. Enfim, o povo perdeu a fé na capacidade daqueles que estão no poder. 

Com essa crescente insatisfação no coração, engolimos em silêncio os gastos homéricos com a Copa das Confederações enquanto hospitais e escolas se arrastam à míngua e até permanecemos inertes ante a volta da inflação! Tudo ia relativamente bem, até que o governo resolveu aumentar a tarifa do transporte, que já era caro e deficitário. Muitos disseram que 20 centavos não fariam falta, mas fizeram. Eles transbordaram no brasileiro toda a indignação diante da sujeira que se tornou o nosso cenário político. Esses míseros vinténs, como disse um certo jornalista, são os bilhões roubados da educação, da saúde, do transporte e da segurança de toda população. Em questão de horas, assistimos a massa ganhando as ruas das capitais brasileiras. Vimos gente de todas as classes se unindo por interesses iguais. Vimos, com esses mesmos olhos cansados, o despertar de uma Nação que já não tinha voz. E eufóricos, percebemos que essa voz já começa a ser ouvida! A PEC 37, que reduzia os poderes de investigação do Ministério Público, foi reprovada com louvor. A “cura gay” e a PEC 33, que limita a ação do STF, podem ter o mesmo destino e a presidenta Dilma já fala em plebiscito para fazer uma reforma política. Até mesmo o projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo saiu da gaveta e foi aprovado no Senado, devendo seguir até a sanção presidencial.


É a segunda vez em nossa história que o povo vai às ruas para exigir direitos, mas o volume de manifestantes torna esse um fato inédito! A exemplo de outras nações, como Turquia e Egito, também vivemos nossa Primavera. É o grito de um povo que já não tem mais de onde tirar para sustentar essa corja de corruptos que insiste em permanecer no poder. É o choro das famílias que perderam entes queridos para a violência e o sofrimento daqueles que foram mutilados ou mortos por uma saúde doente. Essa massa nas ruas é o Brasil que nem os brasileiros conheciam. O Brasil que se cansou de pão e circo e não quer mais gritar Gol! A Pátria não está de chuteiras! Estamos de luto e não vamos nos calar. Isso é só o começo! É só uma prévia do que virá nas urnas. O Gigante finalmente acordou e jamais se esquecerá dos dias negros do passado.

*Fotos cedidas por Carlos Eduardo Cordeiro                                       

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Nos caminhos da impunidade



 A legislação brasileira está entre as mais complexas do mundo. Podemos começar pela nossa Constituição, cujo conteúdo abrange não apenas os princípios e normas gerais de regência do Estado, mas também toda e qualquer matéria que se entenda relevante para o funcionamento da nossa República. Nesse instrumento legal, ao qual todos os demais estão subordinados, encontramos dispositivos curiosos, como o inciso XL do art.5° "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu", ou seja, a lei em vigor ao tempo do ato vai agir sobre ele, mas se lei posterior for melhor para o réu, ela vai retroagir. Para os criminosos, trata-se de justo benefício, mas para quem foi lesado por eles, é uma ofensa travestida de Lei. Outro ponto importante é o que se refere à perda de mandato do deputado ou senador. Segundo o art. 55, gera perda do mandato o procedimento incompatível com o decoro, condenação criminal em sentença transitada em julgado, entre outros. Parece perfeito, até que o parágrafo segundo vem dar um banho de água fria no cidadão. A perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal através de voto secreto com maioria absoluta, assegurada a ampla defesa. Em outras palavras, o corrupto será julgado pelos seus pares, o que acaba se tornando um jogo de empurra, cheio de conchavos e interesses ocultos negociados a preço de ouro. Não é preciso ir muito longe para entender as consequências danosas desses e outros dispositivos legais na nossa sociedade. 

A bola da vez é o caso dos mensaleiros. Desde 2005, quando o esquema veio à tona, a mídia e a sociedade vem pressionando o Judiciário para que dê aos envolvidos a devida punição, mas esse desejo ainda deve esperar mais tempo no coração dos brasileiros. Na Ação Penal que tramita no STF, foi reconhecida a existência do esquema, foram apuradas as responsabilidades, apontados os culpados e em agosto de 2012, os 38 réus começaram a ser julgados. Todos tiveram seu direito de defesa exercido e alguns chegaram a ser absolvidos. Os condenados, por sua vez, fizeram uso de um último recurso: os embargos infringentes, que levam a um novo julgamento do crime no qual o embargante tenha obtido ao menos quatro votos favoráveis. Vale lembrar que a aceitação desses embargos pelo Supremo não gera absolvição ou redução de pena instantâneas, mas possibilitam que os beneficiados peçam a reanálise das provas, o que pode interferir numa nova apreciação do mérito. Dos 25 condenados, 12 tem direito aos embargos infringentes.

O recurso, apresentado pelo ex tesoureiro do PT Delúbio Soares (apontado como "principal elo" no esquema e condenado por formação de quadrilha e corrupção ativa), será apreciado pelo ministro Luiz Fux. Caso as alegações dos condenados sejam acolhidas, três deles (Delúbio Soares, o deputado federal João Paulo Cunha e o ex ministro da Casa Civil José Dirceu) irão do regime fechado para o semiaberto. Outra questão problemática é que, caso haja redução de penas, haverá também a prescrição dos crimes com penas menores que dois anos, dando vitória à impunidade. Se o STF entender que os demais condenados sem o direito aos infringentes devem ser presos, isso se dará ainda neste ano. Já para os que esperam pelo segundo julgamento, a previsão é que este ocorra próximo às eleições de 2014. 

Há quem diga que o uso dos embargos infringentes é direito dos condenados e por isso deve ser exercido. Porém, dada a evolução do processo, é clara a intenção meramente protelatória desse recurso. Fato semelhante ocorreu no caso Donadon, quando o deputado federal Natan Donadon, condenado em 2010 a 13 anos, 4 meses e 10 dias de prisão pelos crimes de formação de quadrilha e peculato, ingressou com 11 embargos declaratórios no STF antes de ter sua prisão decretada pela Corte. Na prática, foram três anos entre a condenação e a execução de sentença. Por isso, é preciso ter atenção para não confundir o direito constitucional à ampla defesa com tentativas sucessivas de usar a lei para afastar a punição pelos crimes cometidos. O Brasil espera por uma Justiça limpa, de preferência rápida e compatível com os anseios da população usurpada em seus direitos mais básicos. Por muito menos, a França explodiu numa revolução cheia de ideais que mudaram o mundo. O povo já está nas ruas. Basta uma decisão errada para a queda da nossa Bastilha.