quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Sexo frágil: uma conversa sobre estupro


 


A Índia é considerada pela ONU como o pior país para uma mulher viver, no grupo das vinte nações mais ricas do mundo. Números do Escritório Nacional de Registros de Crimes da Índia apontam para a média de um estupro a cada 21 minutos. Em 2012, foram 244.270 casos de violência contra a mulher, incluídas aqui as tentativas de abuso, agressões e assassinatos. Foi também em 2012 que o mundo acordou para essa barbárie. No dia 16 de dezembro uma estudante de 23 anos que ia para casa após uma sessão de cinema foi brutalmente agredida e violentada por quatro homens e um adolescente. Junto dela estava o amigo, que também foi agredido. 

A conduta da universitária, na visão de seus agressores e da maior parte da sociedade, foi a razão para o crime. Afinal, é contra os costumes indianos uma mulher sair à noite sozinha ou acompanhada por alguém que não seja seu familiar. Diante de mulheres que "abusam de sua condição social", a saída para manter a ordem são os "estupros corretivos", como o que causou a morte dessa jovem chamada Jyoti Singh Pandey. O nome "Jyoti" tem origem no Sânscrito e significa "iluminada". Ironicamente a morte da jovem trouxe uma explosão de luz na Índia e fez com que a rotina de horrores experimentada por essas mulheres fosse exposta e discutida. O clamor por justiça acelerou o julgamento dos acusados, que foram condenados à pena de morte por enforcamento. Apenas o menor, com 17 anos ao tempo do crime, foi internado em um centro de recuperação. 

A vitória da justiça no caso de Jyoti Singh não intimidou os indianos e a prática dos estupros continua. O mais preocupante é constatar que as próprias vítimas corroboram a ação dos agressores. Em 2012, por meio de um estudo, a Fundação Thomson Reuters verificou que 44,5% das garotas se casam antes dos 18 anos e 52% das mulheres consideram justificável apanharem do marido. Esse comportamento encontra respaldo não só na estrutura da sociedade, extremamente patriarcal, mas também na religião. Alguns livros hindus deixam claro a inferioridade feminina na sociedade indiana. O Manusmriti, ou Leis de Manu, afirma que uma mulher não está apta a ser independente em nenhum momento de sua vida. Quando criança, deve viver sob a custódia do pai, quando adulta, sob a custódia do marido, e quando viúva, sob os cuidados do filho homem.

Além do Hinduísmo, o Islamismo também tem um importante papel no massacre diário das mulheres. Nos dois casos, temos sistemas que misturam cultura, religião e política e que reduzem a mulher a uma condição de objeto. Nesse cenário, as mulheres muçulmanas são negociadas entre famílias e entregues, ainda recém saídas da infância, a casamentos com seus algozes. A agressão começa com as vestimentas, sempre carregadas, ocultado todo o corpo. Se uma mulher se mostra, significa que ela está "induzindo" o homem a uma conduta vil. Mais uma vez, a culpa é da vítima. Aquelas que se atrevem a procurar ajuda são ridicularizadas até mesmo pelas autoridades e, em países como Arábia Saudita, uma mulher estuprada que denuncia seu agressor pode ser condenada por adultério. Parece absurdo, mas é dolorosamente real.

O cenário para mulheres, mesmo em países mais liberais, não é diferente. No Brasil, por exemplo, o número oficial estupros caiu, mas ainda temos um caso registrado a cada 11 minutos no país. Os dados são do 9° anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o levantamento, foram 47,6 mil estupros registrados em 2014, quase 7% a menos que em 2013. Roraima é o estado com a maior taxa de estupros do país, levando em conta os boletins de ocorrência: 55,5 casos a cada 100 mil habitantes. O Espírito Santo registra a menor taxa: 6,1. Só três estados têm uma taxa inferior a 10 casos a cada 100 mil habitantes: é o Rio Grande do Norte, com 8,7, Goiás, com 9,4 e Minas Gerais, com 7,1 casos, respectivamente. A região Sudeste, no entanto, foi a que teve a maior variação de 2013 para 2014. De 874 estupros, passou a 1.475, registrando quase 70% de aumento.

O medo de sofrer violência sexual também foi analisado na pesquisa. Nos 84 municípios brasileiros com mais de 100 mil pessoas, 67% da população tem medo de ser vítima de agressão sexual. O percentual de mulheres que têm esse temor, no entanto, é bem maior: 90%, contra 42% dos homens. Essa realidade foi abordada inclusive no Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM 2015, através do uso de figuras ligadas ao feminismo. Na redação, os candidatos também dissertaram sobre a violência doméstica, refletindo sobre causas e possíveis soluções para o problema.

Iniciativas como a da banca que elaborou a edição deste ano do ENEM são louváveis, já que, embora existam leis para facilitar o acesso da mulher à Justiça, o sistema não pode efetivamente garantir a segurança da vítima após a denúncia. Isso acaba por desmotivar a busca por ajuda, dando vitória aos agressores. Apesar disso, a luta continua. No mundo todo vozes femininas começam a se destacar na multidão, mas para cada mulher que se rebela milhares de outras se calam. Em pleno século XXI essa realidade é inaceitável e deve ser duramente combatida. Nessa guerra, as únicas armas realmente eficazes são a informação e a discussão incessante do tema. É preciso agir, falar e trabalhar até que nenhuma mulher no mundo precise sofrer e morrer e silêncio, simplesmente por ser mulher. 
 

Fontes:

*http://virusdaarte.net/india-o-codigo-de-manu/
*http://www.forumseguranca.org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/9o-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica 
*http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/06/mulheres-sao-vistas-como-propriedades-dos-homens-no-libano.html
*http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/os-paises-com-maior-incidencia-de-estupros

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Farpas e flores


Todos nós temos uma necessidade inata de sermos aceitos e, como seres sociais que somos, a cada minuto aderimos à uma nova modinha. Essa adesão é quase sempre discreta, mas nem por isso menos perigosa. É que ao buscar a aprovação de um grupo nos afastamos daquilo que nos torna únicos, ou seja, na urgência de ser parte, a gente se esquece que já nasceu inteiro e acaba perdendo um pouco (ou muito) de si.

Fugir desse esquema não é nada fácil. Se você não pensa como a maioria, não se veste como a maioria, não age como a maioria, inevitavelmente será marginalizado. E olha, posso dizer que isso dói. Dói quando você quer se expressar mas as pessoas não te ouvem pelo simples fato de você não professar a mesma fé, não torcer para o mesmo time ou não votar no mesmo candidato. Esse frenesi coletivo vai mais longe, separando pessoas, oprimindo, criando um clima de intolerância e tensão até mesmo dentro de famílias. Tudo isso já parece sério o bastante, mas é ainda pior por causa de um fator: as redes sociais. 

Hoje é quase impossível encontrar alguém que não tenha ao menos uma conta em redes sociais como Facebook, Whatsapp, Instagram, Twitter, entre outros. Até pouco tempo atrás as pessoas mediam sua popularidade pelo número de conexões nessas redes, mas hoje as coisas estão um pouco mais agitadas. Agora a popularidade é medida pelo número de "retweets", "likes" e  "compartilhamentos" e, nesse meio, pensar diferente da maioria nunca foi tão arriscado. 

Ao discordar do pensamento dominante você não estará só afastando as pessoas. Estará também atraindo "haters", que são seres nascidos para odiar. Esse tipo de gente ultrapassou a tênue linha que separa a "opinião" da "agressão" e vive de espalhar ofensas online nos quatro cantos da web. Eles não estão interessados em diálogo porque a troca de ideias por si é uma ameaça à soberania de seu pensamento. Por isso, diante de qualquer questionamento eles explodem numa mistura de ira e razão inabalável. Enfim, a melhor arma contra um "hater" é o oposto de seu comportamento. Se discutir não deu certo, tente respeito, ponderação e educação. Um "hater" que se preza não resiste a isso. 

Por falar em discussão, outro hábito cada vez mais comum são os debates públicos. Não importa onde você manifestou sua opinião, se alguém não concorda, a terceira guerra está armada. E se você pensa que é por amor ao debate, se engana. Boa parte das "trocas de farpas" encontradas na internet não tem outro objetivo além de se reafirmar perante um grupo no qual se busca aceitação. Daí se vê a importância que o "bicho homem" dá para a opinião dominante. Não basta concordar, é preciso defender isso em todas as ocasiões e locais, mesmo nos mais inoportunos. Nesse cenário, amigos se afastam, inimigos surgem e todo tipo de tragédia social acontece. 

Mas como evitar tamanho caos? Bem, uma das saídas é não ter contas em redes sociais. Mas se você é como eu e já não consegue mais viver sem distribuir seus "likes" por aí, existe outra saída: não diga nada que possa desagradar à maioria. Difícil, não é? Como saber exatamente o que pensam as pessoas? Impossível. E sendo impossível adivinhar o pensamento alheio, ainda há uma terceira opção: ligue o "foda-se". Afinal, se você acredita em algo que a maioria desaprova, mas isso que você defende não viola nenhuma lei, qual o problema? É tudo uma questão de opinião. Você não precisa ceder para ser aceito. Se isso for requisito para entrar em algum grupo, desconfie! Existe uma diferença muito grande entre concordar e acompanhar. Um acordo surge de um consenso, de uma troca saudável de ideias. Acompanhar é simplesmente se deixar levar, pegar a onda. 

Não é fácil discordar da maioria. Não é fácil ser tachado e incompreendido. Mas sabe, vale à pena. No fim você descobre que suas convicções são realmente suas e que você tem a liberdade de mudar de ideia sem que isso signifique um "expurgo social". Se restarem poucos ao seu lado, não importa. Nessa vida de efervescências e brevidades, ter algo verdadeiro, ainda que pouco, não é prejuízo: é dádiva. Um verdadeiro presente de Deus.