quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Um "boa noite", apenas...


                                                        
Hoje eu senti falta do seu colo. Essa é uma necessidade que me acompanha, mas as vezes é mais urgente que nos outros dias. Sinto sua presença como se pudesse tocá-lo e, em alguns momentos de insanidade, chego a ouvir sua voz. Ela se mistura a um som leve, de flauta doce, que inunda meu quarto...e meu peito. Acho que de todas as coisas que nos unem, a música é a mais forte. É um elo místico que nos coloca em sintonia. Não sei onde você está, mas sinto que está bem. Isso me conforta, tanto quanto os abraços que você me manda através do vento. Sinto seu perfume, vindo de longe... Me perco em devaneios sobre lugares com jardins gigantescos e iluminados. Tudo canta, tudo é som. Nesse mar de melodias e cores, vejo você com seus olhos miúdos. O mesmo semblante sereno. O mesmo abraço apertado. O mesmo colo. Sinto que você me protege mesmo que não possa vê-lo. As vezes sinto que não vou suportar. Dói tanto! Parece que não acaba nunca! Será que você pode me ouvir? Espero que receba meus beijos...e o meu "boa noite" de todos os dias. Sinto sua falta... De todas as coisas que penso, essa é a única sobre a qual não posso escrever. Faltam-me palavras. Isso porque sentimentos não podem ser resumidos em frases. É uma questão de espaço. Palavras limitam...e a dor que sinto é vasta como o universo... Se o inferno tivesse outro nome, certamente seria coração.

"Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?"
(João e Maria - Chico Buarque)

sábado, 16 de janeiro de 2010

Desabafo informal...


Não quero mais ver jornais, sempre os mesmos jornais sensacionalistas que exploram as mazelas humanas. Não quero colaborar com esse frenesi de notícias pedantes, cheias de mortes e desespero. Se cada correspondente levantasse mais pedras em vez de câmeras e microfones, certamente teríamos melhores resultados. Mas não, isso não dá ibope! Que necessidade há em filmar corpos se decompondo ao ar livre, pessoas dormindo sobre jornais velhos e crianças órfãs, famintas e sem rumo? Certo, a princípio é preciso chocar para atraír a atenção de quem pode ajudar...mas e quando a ajuda está de pronto? Que necessidade há em persistir com a mesma exposição exagerada da desgraça alheia? 


O mundo olha para as vítimas do Haiti. O mundo chorou pelas vítimas de Angra! E o Brasil chorou quando uma certa ponte caíu arrastando consigo cerca de vinte pessoas no Rio Grande do Sul. São tragédias, fatalidades que a mídia explora como verdadeiras minas de ouro! Qual a função da notícia? Informar, comover, vender... Penso que esta última engloba as anteriores quando se trata de importância. É preciso informar, função básica. O "comover" entra em cena quando interesses humanitários estão em jogo. Mas nada tem peso se não puder ser vendido. O mundo mantém seus olhos na miséria desastrosa haitiana. Será que o mundo sabe como a Minustah está agindo? O mundo sabe como está sendo feita a distribuição de mantimentos? Ou será que imagina como age a minúscula polícia do Haiti? Acredito que não. Será que o mundo sabe o que será feito em seguida?

Com que estratégia pode-se recontruír um país que nunca foi estruturado, dono de bases frágeis e uma população castigada pela História e pela natureza? Cada repórter  "informando o mundo" leva consigo sua barraca e seus mantimentos. Eles gozam de proteção, posto que a população em desespero poderia atacá-los. Também gozam de proteção os poucos armazéns que guardam produtos de primeira necessidade. Mais uma vez, o particular prevalece sobre o público. O certo seria o contrário. Mas o certo muitas vezes é irrelevante. Tão irrelevante quanto os pobres soterrados sob seus barracos, já que a Minustah se ocupa primeiro dos estrangeiros desaparecidos na região. É uma vergonha! A imprensa mundial mostra muitas coisas tristes que nos fazem repensar valores. Também mostra as inúmeras doações que chegam do mundo inteiro. Ela só não mostra o que está sendo feito com esses donativos...assim como nunca mostrou o que foi feito com todos os recursos recebidos do mundo após cada tragédia anterior. Afinal, o terremoto do dia 12 de janeiro não é a primeira fatalidade que atinge o Haiti...e certamente não será a última. 

O mundo observa atento, mas não sabe que a população está removendo escombros com as mãos e se ajudando como pode, como sempre fez. O mundo não sabe que no centro de Porto Principe há mais ongs como a Cruz Vermelha do que a "suntuosa" ajuda internacional liderada pelos "capacetes azuis". Foi preciso que um grupo de brasileiros criasse um blog para informar o que a imprensa não vende. Pesquisadores da Unicamp, pessoas comuns entre os comuns. Pessoas que andam pela cidade, entre repórteres e soldados, vendo de perto como verdadeiramente está a população do Haiti. E a propósito, vai como sempre, sofrendo e se virando, reconstruíndo com as mãos o que a natureza pôs abaixo. Eles se refazem, com ou sem ajuda. Obviamente há cenas que precisam ser mostradas devido à sua gravidade. Mas também é preciso mostrar a força desse Haiti que resiste, contrário a tudo que se espera. A ajuda chega, mas ainda é mísera diante da dimensão dos fatos. Esse, no entanto, não é o maior problema. A questão é a quem essa ajuda serve primeiro e quais são as prioridades.

Enquanto as "forças internacionais" decidem sobre isso, os corpos continuam apodrecendo nas ruas. Mas apesar deles, o haitiano segue juntando os cacos, porque é assim que acontece...e acaba. Seja por fatalidade, pobreza ou "macumba", o pior ocorreu. Mas quem está lá sabe bem onde as lentes mantém seus focos. Tanto faz se a fé não vende tanto quanto deveria, pouco importa se as pessoas se aglomeram tentando reestabelecer a ordem. Pouco importa que elas façam isso praticamente sozinhas. Enquanto isso, o mundo manda mais comida, dinheiro e remédios. Resta saber para qual Haiti essa preciosa ajuda anda indo.

Fontes:

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Haiti não é aqui...


A história do Haiti é cercada por conflitos políticos e catástrofes naturais. Após 30 anos de ditadura da família Duvalier, o país entrou em 1986 num período marcado por crises políticas e golpes de Estado sangrentos que se alastrou por 20 anos. As sanções internacionais impostas aos regimes políticos sucessivos pioraram ainda mais a situação, em um país onde as instituições são totalmente dominadas pela corrupção.

O Haiti ficou cada vez mais pobre e a população, de 10 milhões de habitantes, desmatou morros e montanhas para fazer carvão, indispensável para cozinhar alimentos. Aliás, a primeira preocupação de 80% da população é conseguir fazer pelo menos uma refeição por dia. O desmatamento desenfreado aumentou ainda mais a vulnerabilidade do país, assolado frequentemente pelos furacões e ciclones que se formam no Atlântico entre junho e novembro. Em uma paisagem feita de morros e vales, fortes chuvas quase sempre provocam graves inundações. A capital, Porto Príncipe, é o melhor exemplo da inadaptação do país às intempéries. A cidade foi crescendo ao longo dos anos, com favelas cada vez maiores feitas de casas construídas às pressas com paredes de pedras e telhados de zinco.

Bem, numa área de intensa atividade sísmica, o ideal seria investir em contruções como as do Japão, que contam com amortecedores nas bases e ligas mais flexíveis no lugar das tradicionais ferragens. Investimentos incompatíveis com a pobreza extrema haitiana. Nesse ambiente caótico que mais uma vez alarma o mundo, pessoas lutam para ter seus bens mais básicos. Falta água, comida, remédios... nem mesmo o presidente sabe quantificar as dimensões desse desastre. Algo próximo de 1% da população...quase uma limpeza..."genocídio natural". Como é possível entender a chamada justiça divina vendo essa verdade incontestável: os que menos tem são os que mais perdem?

É certo que em meio a tantos golpes e sanções, a população já castigada não teve tempo e recursos para se preparar como deveria. Mas repito, esse caos político é culpa da população miserável? Poupe-me! Todas as revoltas ocorridas foram tentativas desesperadas de derrubar governos tiranos e corrúptos. E isso é uma verdade antiga que se arrasta desde os tempos coloniais. É tanto sofrimento...sobrevida! As pessoas resistem por fé, força e união. "L'Union fait la force", como diz a bandeira. Palavras que tocam os filhos dessa terra em qualquer lugar do mundo. Aqui, no Brasil, jovens haitianos se mobilizam para ajudar seus parentes. O desejo de um deles: "Gostaria de estar com meus pais, chorando pelos que se foram e ajudando os que sobreviveram. Acho que nesse momento, o Haiti precisa de mim". Como pode, um país tão pobre, tão cheio de tragédias, dono de uma história tão conturbada possuír filhos tão orgulhosos e prestativos? Acho que as intempéries despertam nas pessoas a vontade de lutar por algo em que acreditam. E os haitianos, apesar de suas dificuldades, acreditam no pais que amam...e amam simplesmente por ser seu.

Nós, os brasileiros, não temos a mesma intimidade com furacões, terremotos e golpes de Estado. Pelo contrário, somos "abençoados por Deus". Será que essa "benção" sufocou nosso patriotismo e nos fez alheios às maravilhas de nossa terra mãe? Pode ser...afinal, o "Haiti não é aqui", mas já foi um dia e poderia voltar a ser...

"E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui".

(Caetano Veloso - Haiti) 

Fontes:


* Jornal Nacional - 13/01/20010
* Jornal da Globo - 13/01/2010
 - Política do Haiti (acesso em 13/01/2010)
 

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Conto de uma noite qualquer



Pousei meus olhos sobre aqueles olhos verdes. Estranho e instigante como aquela conversa. Fui baixa, fui longe, fui eu. Estranhos conhecidos numa mesa de bar. Algumas dezenas de pessoas em volta inundavam de vozes o ambiente. Cada um tinha sua estória, escolhas, vivências. Passei a noite sorvendo contos eróticos e cerveja. Se ao menos eles soubessem... Novamente repousei meu olhar, dessa vez sobre um par de olhos azulados, apreensivos e curiosos. A timidez de menina pairava naquela face branca. Se ao menos ela soubesse... Temi pelo destino da conversa e também pelas horas que escorriam noite a dentro. Noite linda, lua clara e cheia. A maior expectadora de nossas tolices e desejos imundos. Um grupo, um bar, uma mesa. Revelações que fugiam levando consigo pudores. Deixa estar, quem precisa deles? Me vi naqueles olhos azulados, quase verdes. Quase um pedido de socorro! Eles gritavam. Por quê só eu ouvia? Se ao menos ele soubesse... Se aquele par de olhos verdes, invasivos e quentes imaginasse o que se passava ali! Era quase um poema. Era quase uma guerra. Uma mistura frenética de coisas. O caos reinava, mas por fora a luz fluia. Assim, seguiamos calmamente vagando nesse mar de sonhos. Aqueles olhos são brinquinhos de ouro! O que eles escondem? Nem meus olhos castanhos sabem dizer. Mas não importa! Algumas cervejas, algumas palavras, risos e estórias...
  _  Garçom, a conta!
Noite a fora, estranhos amigos seguem abraçados.
Tanto fez, tanto faz.
Se ao menos nós todos soubessemos...