sábado, 6 de dezembro de 2014

Brasil: ame ou Miami?




Em junho de 2013 manifestantes invadiram o Congresso pedindo o fim da corrupção. Em outubro de 2014 essa mesma manifestação foi considerada anti governo, embora fosse declaradamente apartidária. Todos os partidos exploraram os anseios apontados pelo povo, mas nenhum com a intenção real de leva-los à cabo. E em meio a todo esse caos, o pior aconteceu. O povo se dividiu, guerreando entre si e culpando gregos e troianos por um fracasso que ultrapassa dimensões continentais. Quem optou por manter o atual governo é constantemente achacado por oposicionistas de si mesmos. E digo de si mesmos porque quem torce contra o próprio país não é mais brasileiro que quem votou no partido X ou Y. Sim, os argumentos antes da campanha eram: o Brasil vai virar Cuba, vamos dividir o país, nordestinos não poderiam votar, quem vota com o estômago não deveria ter título....e uma série de outros gracejos. Depois das eleições veio a melhor parte: intervenção militar pelo fim da democracia. Claro, a democracia só existe se a minha vontade for feita, mesmo que a minha vontade não seja o desejo da maioria. É muito democrático mesmo.

O que mais escuto de amigos e familiares é que eu não tenho o direito de reclamar da corrupção porque votei no atual governo. E da mesma forma eles também não se sentem responsáveis pela bagunça, porque ao contrário de mim, eles não votaram no atual governo. Gostaria apenas de saber quem é responsável então, já que quem votou não tem o direito de cobrar e quem não votou não tem obrigação nenhuma de fazer isso. Afinal, o Brasil é responsabilidade de quem? Porque enquanto os brasileiros brigam entre si buscando culpados, os abusos e desvios permanecem. E pior, numa escala que ultrapassa o Executivo e atinge a todos, inclusive o cara da padaria que adultera a validade dos produtos para continuar vendendo.

A corrupção é isso. Não tem cara, não tem cor, não tem bandeira. E ao contrário do que muitos pensam, não começa no voto e sim no imposto sonegado, no troco errado não devolvido, no “vantageiro” que fura filas. Sim, a corrupção começa no seio do próprio povo e se enraíza no limite de sua tolerância. Explico: se o meu partido se envolve em corrupção mas a corrupção do partido adversário é maior, a do meu se torna suportável. Errado é o outro que roubou mais! Ledo engano. Errados são todos os que roubaram e, mais ainda, os que consideram que o erro de um pode ser absorvido ou apagado pelo erro do outro.

O Brasil pede socorro e não é só pelos bilhões desviados no escândalo do Banestado entre 1996 e 2002, nem pelos milhões recentemente desviados da Petrobras em negociatas com empreiteiras. Empreiteiras essas que financiaram campanhas de diversos partidos, entre eles os dois que protagonizaram a última campanha presidencial. Sim, não há gente limpa nessa história, nem mesmo os eleitores. Todos são igualmente culpados: quem escolheu o Câncer, quem escolheu a Aids e quem escolheu a Inércia. Cada um carrega sua parcela de responsabilidade e tentar se posicionar como algoz não diminui o dever de reparação.  

Um presidente não governa sozinho e, infelizmente, é na “Casa do Povo” que as maiores aberrações acontecem. Prova disso é a alteração da meta fiscal aprovada nessa semana para que o governo não seja responsabilizado por extrapolar nos gastos. Mas vejam, isso não é inédito. FHC já o fez em 2001 e agora Dilma, em 2014. A questão é como eles conseguiram tal proeza se a função da lei é se fazer cumprir e a função do Congresso é justamente garantir que o Executivo esteja na linha. A resposta é simples: a política no Brasil padece de corrupção sistêmica e esse mal não surgiu com o partido X ou com o partido Y. Ele se lastreia na nossa História. Isto porque o Brasil não foi terra de colonos interessados em construir uma Nação. Foi terra explorada, saqueada até a última gota para servir a interesses além mar. Quem não vinha para arrancar nossa riqueza, vinha para ser castigado. Isso mesmo, aqui era terra de degredo. Passamos 500 anos exportando riquezas e aceitando bandidos e ainda hoje não conseguimos quebrar esse ciclo. A diferença é que hoje os bandidos estão no poder e a riqueza não vai mais para a Inglaterra ou Portugal e sim para algum lugar aconchegante na Suíça.  

A verdade é que o brasileiro tem o sério defeito de tolerar os próprios defeitos e isso é algo cultural, popularizado como o nosso famoso “jeitinho”. "Pouco importa se o país está imerso num mar de lama, eu não tenho parte nisso"! "A culpa é dos eleitores do partido X, eles que se virem para arrumar a casa"! O problema é que moramos na mesma casa e, embora alguns tenham a opção de se mudar para Miami, a maioria não tem para onde ir. Então, o que fazer? Perder energia acusando quem optou pelo voto ou lutar juntos para que algo seja realmente feito? Eu prefiro acreditar que a vida não se resume numa história de “coxinhas” ou “empadinhas”, gregos ou troianos. Cada um carrega sua parcela de responsabilidade pelo todo e ratear a culpa é o primeiro passo para discutir saídas. Se isso não for feito às pressas, precisaremos de umas mil Miamis para suportar o peso de um Brasil saqueado e insatisfeito. Quando penso nisso, me lembro da memorável frase: "Brasil, ame-o ou deixe-o"? E de imediato me vem a célebre resposta: "O último a sair, apague a luz". Resta saber até quando vamos nos contentar em viver de fuga e escuridão.