segunda-feira, 28 de junho de 2010

Carta para dona Saudade



Pai, eu não sou mais aquela menina, que chorava por tudo. Não tenho os mesmos sonhos que compartilhamos. Acho que me esqueci dos nossos planos. Até pensei ter esquecido seu rosto! Talvez por isso tenha buscado em velhas fotografias os seus olhos miúdos e calmos. É engraçado lembrar seu olhar. Ele parecia uma extensão do seu sorriso. Que saudade tenho desse tempo. Na simplicidade de nossa casa, de nossas vidas, eramos felizes. Tanto que hoje me dói essa sala vazia de sua presença. Esse espaço nunca pareceu tão grande.

Sabe pai, as coisas mudaram. Não sei se me reconheço bem. Tenho ainda alguns receios, mas procuro me lembrar de você nas horas de dúvida. As vezes quase posso te ouvir, me pedindo calma e força. Acho que no fundo, você me conheceu em minha totalidade. Com seu jeito pacato de ser, me ensinou as grandes coisas da vida. É pena, pai, que eu não tenha reconhecido na hora certa todas as suas verdades tortas. Elas não eram perfeitas, talvez nem se enquadrassem no meu mundo, mas eram suas, seu melhor presente para mim. Pode ser que eu não soubesse mesmo usar seus ensinamentos de homem simples e realista. É que sua simplicidade me parecia falta de ambição e, seu realismo, tinha um "Q" de crueldade revestida de frieza. Triste equívoco dessa filha ingrata que de tão igual a você, não soube lidar com essas sutis diferenças.

Você era meu espelho. Refletia meus defeitos, limitações e sonhos frustrados. Era quase um tapa na cara, uma pedrada no meu ego. Nossas pequenas injustiças diárias são lembranças nebulosas nessa mente perturbada. Mas sabe, pai, mantenho vivo na memória todo esse aprendizado. Amei você a cada dia, mesmo quando fugi de casa. Queria seu colo, até nas horas em que sua presença parecia me sufocar. E busquei você, sempre, em todas as decisões que me trouxeram até aqui. A falta só não é maior que a certeza de sua plenitude, no céu e em mim. Isso me basta, por hora.

Só peço, pai, que você desperte o seu melhor em mim. Que eu saiba usar sua persistência e serenidade para alcançar meus projetos, mas que eu tenha também sua humildade, para entender que nessa vida, tudo passa. O importante é o que levamos por dentro. Essa riqueza de virtudes te fez grande. O maior homem que já conheci. Talvez o mais verdadeiro. Eu conhecia seu coração porque ele sempre esteve aberto. Como um livro cheio contos diversos sobre lugares distantes onde todas as pessoas eram felizes. Com você, entendi que a felicidade se esconde no ar, nos gestos, nos sorrisos sinceros, como os que você sempre me oferecia com os olhos. Seus olhos, calmos e miúdos, cheios de um brilho intenso. Sabe, pai, eu não sou a mesma menina de antes, a que chorava por tudo. Hoje, minhas lágrimas são mais seletivas. Elas só brotam por pessoas especiais, como você. A diferença é que quando a saudade aperta, e meus olhos ficam miúdos como os seus, eu deixo brotar também um sorriso, porque nesse momento eu te vejo...é só mirar-me num espelho que nossos olhos se encontram. Amo você!

Saudades do seu solzinho...

2 comentários:

Anônimo disse...

Esse é o tipo de saudade que, no fundo, é gostosa de sentir. Sinta-a e aprenda com ela, porque eu sei exatamente do que vc está falando!

Beijos Isa!

Isa** disse...

Obrigada, meu amigo! É sempre um prazer receber suas visitas. Obrigada pela força e pelo carinho.
Adoro vc!

Bjooos!