sábado, 9 de novembro de 2013

Raio X da Violência


Recentemente, em conversa com um comandante da Polícia Militar, me vi diante de uma realidade que vai além das minhas humildes e superficiais conclusões sobre a violência. Ele me mostrou através de dados que a raiz do problema não está só na falta de políticas públicas eficientes, mas também em fatores que, a princípio, não parecem ter nenhuma influência. Em nossa cidade, é comum que as pessoas coloquem a culpa da alta da criminalidade na Polícia, tanto Civil quanto Militar. O que muitos desconhecem, segundo o militar, é que cidades próximas, como Unaí, por exemplo, enfrentam situação semelhante, porém com mais polícia nas ruas e menos cidadãos para proteger. Após o encontro, resolvi pesquisar sobre o assunto e assim ver o que as estatísticas podem nos dizer. Enfim, vamos aos dados. 

Segundo o estudo Mapa da Violência 2013, a taxa de mortes por arma de fogo no grupo Jovem (15 a 29 anos de idade) em 1980 era de 9,1% enquanto que no grupo Não Jovem (acima de 29 anos) era de 3,5%. Em 2010 as taxas alcançaram 42,5% e 10,7% respectivamente. Ainda de acordo com observações feitas pelos pesquisadores, entre 1980, ano adotado como ponto de partida do estudo, até 2010, último dado disponível, morreram no Brasil um total de 799.226 cidadãos vítimas de armas de fogo. Se essa cifra já representa um número assustador, é ainda mais preocupante saber que 450.255 mil deles eram jovens entre 15 e 29 anos de idade, ou seja, duas entre cada três vítimas fatais das armas em 31 anos de estudo foi um jovem. Agora, diante da descoberta, resta saber quem é esse jovem. 

Um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série. Quando se chega no ensino médio, o panorama é ainda mais crítico: apenas 41% dos jovens de 18 a 20 anos se formou. É o que indica o Relatório de Desenvolvimento 2012, divulgado no início de 2013 pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). O documento mostra que apesar de ter avançado nas últimas duas décadas, o Brasil ainda tem um IDH menor que a média dos países da América Latina e Caribe. O país está na posição 85 do ranking, que leva em conta a expectativa de vida, o acesso ao conhecimento e a renda per capita. No que se refere à evasão escolar, o Brasil tem a 3ª maior taxa entre 100 países! Obviamente houve um progresso ao longo dos anos, mas a realidade ainda carece de profundas melhorias. 

É esse jovem, entre 15 e 29 anos, com baixa escolaridade e pouca receptibilidade no mercado de trabalho que está sendo arrebanhado pelo crime. Ele vem de famílias igualmente menos instruídas e muitas vezes desestruturadas. Quase sempre a renda disponível vem de programas assistenciais e não supre todas as despesas. Não é incomum ver essas famílias migrando para a periferia por não conseguirem se manter nos padrões de moradia encontrados nas cidades. E sem o amparo do Poder Público, que não oferece os serviços mais básicos, esse jovem está fadado a buscar na violência a oportunidade de lutar por seu próprio espaço. Em 2012 o documentário Falcão, Meninos do Tráfico, produzido pelo rapper MV Bill, mostrou a dura realidade de crianças que ostentam armas em morros do Rio de Janeiro. Elas protegem o tráfico e garantem o lucro de traficantes que, pasmem, são admirados como heróis. É, eles lutam contra o sistema que oprime quem não teve, digamos, sorte na vida. 

O mais chocante é ver o depoimento de uma jovem mãe. Ela, menor de idade, segura no colo o filho de 2 anos e 11 meses e diz à repórter que a criança já sabe o que é o tráfico, fala em armas e identifica o cheiro de maconha. Eles vivem numa favela carioca e, apesar da estranheza que a revelação pode causar, apesar dessas pessoas saberem que estão na criminalidade, elas vivem normalmente. Onde está o erro? Creio que não está num único lugar, mas uma coisa é fato: se o salário mínimo correspondesse ao disposto no art. 7°, IV da CF/88, ou seja, fosse "capaz de atender as necessidades vitais básicas do cidadão e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim", certamente o crime perderia espaço. Quando o Estado falha, se omite, se corrompe, o povo fica a mercê de quem estende a mão primeiro e, o caminho do mal, é a opção mais próxima daqueles que não tem quase nada. Eles estão errados? Para quem vive na zona de conforto, pode até ser. O problema é estar lá, no coração da periferia, privado de segurança, empregos formais, saneamento básico, moradia digna, saúde e educação. São esses os jovens que morrem em trocas de tiro com a polícia ou com gangues rivais e sabe o que é pior? Eles não tem medo. 


Não há receitas mágicas para acabar com a violência ou o tráfico que a sustenta. Muitos são os caminhos possíveis, mas eles vão além de meras "bolsas esmola". Até porque, se formos falar de auxílios, os nossos parlamentares, que são os mais CAROS do mundo, ainda recebem vultuosos valores para tudo, até para comprar seus maravilhosos ternos. As famosas "bolsas", fruto de uma política mesquinha e eleitoreira, são na verdade uma ofensa ao povo brasileiro. Elas condicionam a população a viver de migalhas enquanto o bolo cresce e é dividido por poucos, às escondidas, bem longe das favelas e da seca no nordeste. Por isso, acredito que para o Brasil mudar não é preciso mágica, mas sim ética e muita vergonha na política. Aliás, é preciso mudar a nossa forma de fazer e ver a política, porque entra esquerda sai direita, a merda é sempre uma só.


Fontes:


* Imagens: Internet

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