sábado, 29 de março de 2014

O ódio nosso de cada dia



Muitas pessoas se dizem não preconceituosas, mas quando confrontadas sobre temas polêmicos, revelam com naturalidade opiniões banhadas de todo tipo de intolerância. Foi o que uma pesquisa recente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelou ao questionar cerca de 3.800 pessoas sobre tolerância social e violência contra a mulher. Entre as afirmativas, está uma que desde o lançamento do estudo, no dia 27 de março, vem causando calorosas discussões nas redes sociais: "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". 65,1% dos entrevistados concordaram total ou parcialmente, mas isso não é o pior. 58,5% também acreditam que "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". E o mais alarmante é que, segundo o IPEA, 66,5% dos entrevistados, pasme, são mulheres! Sim, você não entendeu errado. As mulheres estão reproduzindo o machismo talvez até com mais convicção que os homens. 

Para entender como isso aconteceu, não é preciso ir longe. Vivemos numa sociedade onde as mulheres se submetem a inúmeros padrões. Exemplo simples é que no país do carnaval, muitos consideram como regra a mulher ter um corpo perfeito. E quando ela não tem, o mercado se encarrega de oferecer todo tipo de emagrecedores e tratamentos, como se quebrar a "regra" fosse quase uma doença que exige duro combate. O resultado disso é bulling, transtornos alimentares, tratamentos invasivos, como cirurgias plásticas e, em muitos casos, depressão. Quem discorda, basta assistir um pouco de TV para perceber que não há nenhuma apresentadora, seja de jornal ou de programas para entretenimento, que esteja fora do peso ou do "padrão" vigente de beleza. Já no caso dos homens, é só buscar algum programa tarde da noite para se deparar com um "beijo do gordo". É simples, não enxerga quem não quer.

Ironicamente, no Brasil, onde as mulheres gastam fortunas com a estética para ficarem bonitas na praia e serem aceitas socialmente, mostrar o corpo é um risco. Contraditório e intrigante, ainda mais se considerarmos que muitas mulheres concordam com isso. Meses antes da divulgação do resultado dessa pesquisa, um video produzido por mulheres rodou o mundo. Nele, as autoras ironizaram a chamada "culpa da vítima" nos casos de violência contra a mulher abordando, através do humor, as opiniões da sociedade indiana sobre o tema.

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No direito penal, a culpa da vítima pode atenuar a pena ou até absolver o réu, a depender das circunstâncias. É o caso, por exemplo, de alguém que vem a óbito porque se jogou na frente de um carro. O condutor do veículo não pode responder como se desejasse o resultado, então, a análise da culpa da vítima é aceitável e até necessária para o bom julgamento do caso. Porém, numa violência sexual é diferente. A vítima não se joga na frente do agressor e a agressão, por sua vez, não é algo inevitável como um atropelamento. Ao contrário, é o agressor que ataca. É ele quem deseja o resultado, e não a vítima. Mas por mais claro que isso seja, ainda há quem confunda. Nas redes sociais o que mais se viu nos últimos dias foram afirmações do tipo "eu não acho que as mulheres mereçam ser estupradas, mas sabendo que há tantos tarados por aí, por que elas se vestem de modo a provocá-los"? E esse é apenas um exemplo de todas as respostas machistas que podem ser encontradas sobre esse tema. Por mais óbvia que a mensagem seja, as pessoas continuam responsabilizando a vítima por usar roupas curtas, por passar por certos lugares, por adotar certo tipo de comportamento, enfim...ninguém concorda que a vítima merece ser estuprada, mas a maioria acha que o estupro poderia ser evitado... pela vítima! Quanta incoerência!

Mas a pesquisa do IPEA não parou por aí. 78,7% dos entrevistados acreditam que toda mulher sonha em se casar; para 59,5%, a mulher só se realiza quando tem filhos; 54,9% dividem as mulheres em "para a cama" e "para casar", e sobre homossexualismo, 51,7% acreditam que casamento gay deveria ser proibido e 59,2% consideram incômodo ver um casal gay se beijando em público. Os dados revelam uma total falta de conhecimento dos anseios da mulher, além de uma acentuada intolerância à liberdade sexual. Algo ainda mais alarmante é a falta de preocupação com a violência doméstica, afirmada pelos incríveis 81,9% dos entrevistados que concordam com a afirmativa "o que acontece com o casal em casa não interessa aos outros". E é justamente esse desinteresse pela vida doméstica do vizinho que alimenta as agressões. Muitos consideram a violência como "assunto privado" quando na verdade trata-se de um crime que merece ação coercitiva e punitiva do Estado. Interpretações como essa são frutos de uma sociedade embebida pelo patriarcalismo e que já não consegue imaginar a realidade fora dessa ótica.

Viemos de um mundo onde o homem era o provedor e também o proprietário. E suas posses abarcavam tudo que estava à sua volta, inclusive, sua esposa. Todo tipo de violência era permitida e aceita com naturalidade, mas na sociedade atual, com a mulher ascendendo no mercado de trabalho e mantendo lares, essa visão é ultrapassada e tão desumana quanto antes. A evolução está chegando e pode ser verificada pelos 91,4% que concordam com a frase: "Homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia". Porém, muito ainda precisa ser feito para reduzir os impactos do machismo enraizado no senso comum.

A pesquisa realizada e divulgada pelo IPEA é um instrumento de auto-avaliação da sociedade brasileira. Por ela, pudemos perceber o quanto o preconceito em relação à mulher, à liberdade sexual e ao homossexualismo estão presentes no cotidiano e esse é o primeiro passo para exercer a tolerância de forma mais expressiva. Não basta se dizer livre de preconceitos, é preciso que a conduta seja o reflexo desse pensamento. E mais que isso, o preconceito e a violência não podem ser vistos como questão cultural. Eles são o resultado de uma sociedade atrasada, que justifica aberrações sob o manto religioso, cultural, etc. Violência não se justifica, se combate! E a violência sexual, mais que qualquer outra, nunca é culpa da vítima!






Fontes:

- Comportamento feminino influencia estupro

- Pesquisa IPEA

- Imagens retiradas do Facebook® 


3 comentários:

Unknown disse...

Muito explicativo o texto,so tenho uma ressalva Isabella como esta pesquisa foi feita,como as perguntas foram feitas! Não sou a favor nunca de nenhum tipo de violência,mas tenho certeza de que se vc pergunta se alguem se mete em briga de casal a maioria dira que não! Mas também não questiono acho que a pesquisa e valida e que ninguem deve usar de violencia principalmente contra a mulher que e indefesa contra a força do homem,e uma outra constatação que esta na pesquisa e você salientou no seu texto e a questão da união homossexual ,não me incomodo apesar de não concordar,mas aceito e principalmente respeito quem tem essa opção ou orientação sexual,mas me incomodo sim com um beijo homossexual,infelizmente,sou humano e tenho meus limites,tenho amigos que são homossexuais e os respeito,nunca faria mal contra alguem que tem essa orientação nem deixaria de fazer amizade pela orientação da pessoa ,mas não posso dizer que e uma coisa natural para mim ver um beijo entre dois homens ou duas mulheres! Parabéns pelo seu texto e de uma olhada no blog do Cosme Rimoli do portal R7 que fala de futebol,mas tambem relaciona o esporte com a politica e a atualidade ele fala sobre a questão da violencia contra a mulher e tambem da ditadura e sua relação com o futebol. Abraços

Isa** disse...

Olá, Leonardo! Obrigada pela participação! É verdade, ainda existem muitos tabus na nossa sociedade e eles não serão quebrados do dia para a noite. Mas o primordial é respeito. É como você bem disse, não concordar não nos dá o direito de ofender e agredir. Com respeito, tudo fica mais fácil. =)

Anônimo disse...

pretty nice blog, following :)